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Literatura, ou a voz dos outros



O período estival conheceu a publicação de uma Carta do Papa Francisco sobre o papel da literatura na formação. O documento foi habitado pelo desejo de pensar o contributo da literatura para a formação dos padres católicos. Mas o alcance da reflexão alargou os horizontes para o plano mais amplo da formação humana. O texto chegou sem alarido. Não mereceu o destaque de outros textos, que se apresentaram em linha com a agenda global. Mas é certo que um olhar rápido pelos media de referência, em diversos países, depressa descobre que o texto encontrou a empatia de muitas vozes, em diversos setores culturais.

Talvez seja importante recordar que os pronunciamentos autorizados da Igreja católica romana sobre literatura nem sempre foram recebidos como “boas notícias”. Tenha-se presente o famoso “Índice dos livros proibidos”, oficialmente abolido apenas em 1966. Nesse “índice”, encontravam-se reunidos autores como Stendhal, Hugo, Sand, Flaubert, Larousse, Gide, France ou Sartre. Como noutras circunstâncias, o Papa Francisco adota uma estratégia de inversão de perspetiva. Não se trata de traçar as fronteiras entre “boas ou más leituras”. Trata-se de trazer para o debate contemporâneo o papel educativo e formativo da literatura. A argumentação desta carta parte da evidência de que a literatura nos obriga a escutar a voz dos outros, descobrir o “outro” que há em nós, habitar mundos diversos, descentrando-nos e abrindo-nos à aventura da empatia. Essa é uma via de superação dos riscos de confinamento dos indivíduos na sua bolha obsessiva ou narcísica.

Por Alfredo Teixeira