WOOKACONTECE: Maria Teresa Horta, uma vida de luta e entrega, pela força das palavras

 

Maria Teresa Horta (1937-2025)

Escritora, jornalista, poetisa e, sempre, uma corajosa lutadora pela liberdade e pelos direitos das mulheres (já na ditadura, quando era perigoso sê-lo), Maria Teresa de Mascarenhas Horta Barros morreu hoje, 4 de fevereiro de 2025, em Lisboa, cidade onde nasceu em 1937, a 20 de maio. Tinha 87 anos e uma vida marcada pela força das palavras, que há muito conquistou um lugar inabalável na literatura portuguesa. Recordamos a sua vida e obra.
Descendente, pelo lado materno, de uma família da alta aristocracia portuguesa, neta em 5º grau da célebre poetisa Marquesa de Alorna, Maria Teresa Horta frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo integrado o grupo da Poesia 61 e sido a primeira mulher dirigente de um clube de cinema, o ABO Cine-Clube. Já como militante ativa nos movimentos de emancipação feminina, foi jornalista n’A Capital e dirigiu a revista Mulheres.
A sua estreia na na escrita aos 23 anos, com Espelho Inicial, foi o início de uma obra prolífica de poesia, romances e contos. Ao longo da sua carreira literária, recebeu diversos prémios de destaque. Nos últimos anos, foi distinguida com o Prémio Autores 2017 na categoria de Melhor Livro de Poesia por Anunciações, a Medalha de Mérito Cultural atribuída pelo Ministério da Cultura em 2020, o Prémio Literário Casino da Póvoa em 2021 pela obra Estranhezas e, em 2022, foi condecorada pelo Presidente da República com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Os portugueses recordá-la-ão como uma das “Três Marias”, por ter sido coautora de Novas Cartas Portuguesas, uma obra revolucionária num país fechado ao mundo. Maria Teresa Horta expandiu os horizontes deste “jardim à beira-mar plantado”. Explore, connosco 4 das suas principais obras.


Minha Senhora de Mim
Em abril de 1971, a editora Dom Quixote publicou Minha Senhora de Mim, o nono livro de poesia de Maria Teresa Horta, na coleção «Cadernos de Poesia». A obra, composta por 59 poemas, inspirava-se na tradição das cantigas de amigo medievais, utilizando a literatura canónica para desafiar o status quo. O conteúdo erótico e a poderosa voz feminina incomodaram a ditadura.
Pouco depois, a 3 de junho, o regime salazarista ordenou a busca e apreensão do livro, retirando-o de todas as livrarias do país e ameaçou Snu Abecassis, a proprietária da editora,de que a Dom Quixote seria encerrada se voltasse a publicar qualquer obra de Maria Teresa Horta.
A repressão não ficou por aí. A PIDE perseguiu a escritora, e três agentes chegaram mesmo a agredi-la violentamente na rua. Indignada com a esta brutal repressão, a sua escritora e amiga Maria Velho da Costa diz-lhe: «Se uma mulher sozinha causa toda esta confusão, este burburinho. Este escândalo, o que aconteceria se fôssemos três?». Estava decidido: juntar-se-iam também à escritora Maria Isabel Barreno e iriam, pela escrita, abanar o regime e lutar pela liberdade de expressão. A resposta viria com toda a força e pouco tempo depois, e tinha um nome: Novas Cartas Portuguesas.



Novas Cartas Portuguesas
Publicado em abril de 1972, Novas Cartas Portuguesas foi escrito em coautoria por Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. Inspirado nas célebres cartas de amor atribuídas à freira Mariana Alcoforado, o livro tornou-se um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril, denunciando a Guerra Colonial, a repressão às mulheres, a emigração forçada, o sistema judicial persecutório e a violência fascista.
A obra, editada pelos Estúdios Cor sob a direção de Natália Correia, foi banida pelo regime, que instaurou um processo judicial às três autoras, acusadas de terem escrito uma obra de «conteúdo insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública». O processo, que ficaria conhecido como o julgamento das "Três Marias", teve início a 25 de novembro de 1973 e arrastou-se até 7 de maio de 1974, já após a Revolução do 25 de Abril, o que resultou na sua anulação. A censura e repressão que sofreu geraram protestos internacionais – apoiadas por figuras como Simone de Beauvoir e Marguerite Duras – tornando esta obra um símbolo da luta pela liberdade de expressão e pelos direitos das mulheres.
Além do seu impacto político e social, Novas Cartas Portuguesas destacou-se ainda pela sua originalidade literária. Ao fundir diferentes géneros – narrativo, poético e epistolar – e desafiar convenções, a obra mantém-se atual. Em dezembro de 2023, a BBC incluiu Maria Teresa Horta na sua lista das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo, destacando o impacto do livro e descrevendo-a como «uma das feministas mais proeminentes de Portugal e autora de muitos livros premiados».



Eu Sou a Minha Poesia
Eu Sou a Minha Poesia é exatamente isso: Maria Teresa Horta no seu estado mais puro. Nesta antologia, a própria autora escolheu os poemas que considera essenciais no seu percurso, que começou nos anos 60 e continua tão vivo e ousado como sempre.
A sua poesia nunca foi de meias palavras. Feminista, erótica, de intervenção e resistência, desafia regras, dá voz ao desejo e questiona os limites impostos à mulher. Os temas que aborda continuam atuais, e a sua escrita mantém-se afiada, brincando a sério com os tabus da sociedade e explorando territórios onde a autoridade e a liberdade se enfrentam.
Esta antologia mostra como ler Maria Teresa Horta é entrar num universo onde o feminino é força, coragem e afirmação. Cada verso é um grito de liberdade, um desafio à obediência, um ato de rebeldia transformado em poesia.




A desobediente
Desde cedo, Maria Teresa Horta conheceu a dor e o abandono. Filha de um dos mais conceituados médicos de Lisboa e de uma mulher livre e destemida, descendente dos marqueses de Alorna, cresceu entre o brilho dos salões da capital e as sombras de uma infância marcada por perdas e cicatrizes. Ainda pequena, enfrentou a morte de perto, sobreviveu às depressões da mãe e chegou a engolir uma carta para a proteger. Os castigos foram duros e injustos, deixando marcas que nunca desapareceram. A separação dos pais, figuras intensas e complexas, foi mais uma batalha que teve de enfrentar.
Mas terá sido esse sofrimento que a levou à poesia? Terá sido essa infância turbulenta que despertou nela a voz rebelde que a tornaria uma das “Três Marias”? Maria Teresa Horta nunca aceitou regras impostas. Envolveu-se por acaso com o PCP, mergulhou na política antes e depois do 25 de Abril, e construiu uma história de luta e paixão. Poetisa, mãe, mulher intensamente ligada a Luís de Barros, escritora premiada – ainda que tardiamente reconhecida, recusando, por fidelidade aos seus princípios, algumas distinções –, Maria Teresa Horta é, acima de tudo, uma voz indomável. Nesta biografia, Patrícia Reis, romancista e biógrafa experiente, dá-nos a conhecer essa mulher que fez da palavra a sua arma, com a sensibilidade e profundidade.

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Fonte: Dantas, V. (2025, fevereiro 4). Maria Teresa Horta, uma vida de luta e entrega, pela força das palavras. Wookacontece.
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