WOOKACONTECE: Livros que deram filmes [veja os trailers]


É raro encontrar um policial que consiga, ao mesmo tempo, entreter, emocionar e surpreender com tanta elegância. O Clube do Crime das Quintas-Feiras dá-nos isso com aquele humor britânico que nunca precisa de se anunciar e personagens que conquistam porque não querem provar nada a ninguém. Já viveram o suficiente para saber que a verdade não está nos grandes gestos, mas nos pormenores que passam despercebidos.
A leitura avança com ritmo e leveza, mas o que realmente seduz é a forma como o autor nos convida a ver o mundo pelos olhos de quem muitos já não escutam. Há crime, sim, e mistério, pistas falsas, surpresas bem colocadas, mas é a humanidade que fica. Cada capítulo é um convite para abrandar e prestar atenção ao que parece banal. Ao silêncio de uma frase, à pontaria de um olhar, ao passado que nunca desaparece por completo.
O sucesso do livro foi tal que chegou ao ecrã, com uma adaptação disponível na Netflix. Um filme que acerta no tom: cómica, inteligente e com o charme britânico no lugar certo. Uma excelente porta de entrada para quem ainda não conhece este grupo de detetives pouco convencionais, mas com um talento surpreendente para ver o que escapa aos olhos dos outros.
Onde ver?: Netflix
Data de estreia: 28 de agosto de 2025





É num Algarve de luz oblíqua e fábricas devolutas que se escuta, ténue, mas persistente, o vento do passado. O Vento Assobiando nas Gruas não é apenas um título poético: é a vibração que percorre todo o romance, uma história na qual o encontro entre duas famílias, duas realidades e dois modos de existir obriga a escutar o que tantas vezes se deseja ignorar.
Milene Leandro, a jovem que vê o mundo como quem o descobre pela primeira vez, move-se entre o luto e a revelação. Depois da morte da avó, foge para o único lugar onde sente alguma forma de pertença: uma antiga fábrica de conservas, vestígio da prosperidade familiar. Ali encontra os Mata, cabo-verdianos instalados entre paredes frias e promessas por cumprir. Da convivência improvável nasce um laço feito de ternura, diferença e descompasso.
Lídia Jorge escreve com a delicadeza de quem sabe que a linguagem não basta para dizer tudo. O que está em jogo não é apenas a memória, mas o modo como esta nos molda, e como, por vezes, somos levados a pactuar com o que preferíamos ignorar.
A adaptação ao cinema, realizada por Jeanne Waltz, não tenta encaixar o romance numa narrativa explicativa, pelo contrário, respira com ele. Filmado entre Tavira e Vila Real de Santo António, o filme devolve a fisicalidade do espaço, o vazio da fábrica, os gestos contidos das personagens. Com interpretações notáveis de Rita Cabaço e Milton Lopes, e com a música de Dino d’Santiago a pairar como uma oração, a versão cinematográfica amplia a vibração emocional do livro sem lhe roubar a subtileza. Não se trata de um drama convencional: é uma fábula contemporânea sobre pertença, desigualdade e aquilo que acontece quando uma jovem, tida como frágil, se torna a única capaz de ver os outros como eles realmente são, e de os obrigar, ainda que sem querer, a fazer o mesmo.
Onde ver?: Rakuten TV
Data de estreia: 2023




Sally Rooney escreve sem artifício nem pressa. Com um estilo contido, clínico, capta o desconforto de crescer e de tentar amar quando não se sabe bem como se habita o próprio corpo. Os diálogos parecem banais, mas expõem feridas; os encontros parecem simples, mas são difíceis de ignorar.
A relação entre Connell e Marianne não segue um guião nem corresponde à expectativa de uma história de amor: é instável, crua, profundamente humana. O que separa estas duas personagens parece óbvio: ele, popular e inseguro, habituado a adaptar-se; ela, solitária e ferozmente lúcida, habituada a proteger-se, mas há entre os dois uma intimidade feita de mal-entendidos, gestos que falham, palavras que não chegam. O romance vive dessa fricção: do que não se consegue dizer e, ainda assim, se sente com violência.
A série, disponível na Prime Video, é uma extensão natural deste universo. Fiel ao tom do livro, acrescenta-lhe corpo. Ver Connell e Marianne ganhar forma no ecrã é uma experiência íntima, quase tanto como a leitura. Para quem já leu, é uma segunda respiração da mesma história; para quem ainda não leu, pode ser o impulso certo para mergulhar. Em qualquer dos sentidos, vale a pena.
Onde ver?: Prime Video
Data de estreia: 2020