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WOOKACONTECE: O fascínio do Conto, por Analita Alves dos Santos

Num conto, tudo acontece mais depressa, mas não com menos profundidade. Um gesto, uma frase, umas ausências bastam para desencadear o movimento. E, quando se dá por isso, já não se está no mesmo lugar.
O conto não se explica, sente-se, capta-se na sugestão, no que ficou por dizer, no pormenor que altera tudo. Talvez por isso nos acompanha com tanta persistência: porque condensa numa tarde o que outros géneros levam semanas a insinuar.
Num país em que a leitura precisa de ser mais cultivada, o conto pode ser a porta de entrada. Uma forma acessível, intensa e desafiadora de reencontrar o prazer de ler. Sem imposições, sem culpa, sem a ideia de que é preciso ter tempo a mais ou saber demais.
Nesta pequena constelação de propostas — de Teresa Veiga a Mário Cláudio, de João de Melo a Valter Hugo Mãe, sem esquecer a potência visionária de Stanislaw Lem —, reconhece-se a vitalidade de um género que está longe de ser menor. São contos que pensam, que ferem, que acolhem; que atravessam o passado e o futuro para tocar o presente com rara nitidez.
Venha conhecê-los melhor.



A escrita de João de Melo tem raízes bem profundas: os Açores onde nasceu e a guerra colonial em Angola onde serviu como enfermeiro. Da terra insular herda a religiosidade, o mar, o peso da emigração e o silêncio de quem cresce entre fronteiras físicas e afetivas. Da guerra, transporta a memória viva do medo, da perda e da desumanidade. As suas narrativas movem-se entre estes dois mundos, revelando um sentido de desamparo e resistência. Há nelas uma melancolia persistente, feita de saudade da infância e de um desejo de reencontro com a terra, ainda que já transformada pela distância e pelo tempo.
Reunindo textos originalmente dispersos, alguns até agora inéditos em livro, a antologia A Nuvem no Olhar, revê e fixa, numa edição definitiva, a obra breve do autor no género conto. Um exercício de curadoria literária que é também uma viagem ao olhar com que, ao longo de cinco décadas, foi habitando o mundo e a língua.



Três figuras reais, três destinos ficcionados até ao limite da inquietação. Em A Gôndola Negra, Menina Sentada e Os Cães de Hécate, Mário Cláudio convida-nos a entrar em territórios biográficos quase esquecidos, abrindo fissuras na História por onde se infiltram a imaginação, o espanto e a vertigem do irreparável.
É um tríptico de vozes e silêncios: um jovem músico entregue a uma missão impossível, uma artista que nunca pôde ser plenamente autora nem amante, um político exposto num país habituado a desviar o olhar. Mas o que começa como evocação de vidas alheias transforma-se num jogo de espelhos, em que os narradores alternam entre o voyeurismo, a suspeita e a busca desesperada de sentido. Uma jornalista em busca do próximo escândalo; um colecionador prisioneiro das imagens da infância; dois agentes da judiciária que investigam mais do que a lei lhes permite nomear.
Ler estas três novelas é mergulhar num tempo suspenso entre arquivos e fantasmas, onde o real se adensa, mas é a ficção que ilumina o que ficou por dizer. Mário Cláudio expõe-nos àquilo que os seus corpos e ausências ainda podem significar. Uma leitura densa, obsessiva, marcada pela linguagem trabalhada e pela arquitetura literária rigorosa, que nos desafia a estar presentes até ao fim. Mais do que biografias ficcionadas, estas são histórias de sombras e sobrevivência, de figuras que viveram à margem ou caíram em desgraça, e que aqui ressurgem com a densidade, o humor e o fulgor narrativo que Mário Cláudio sabe imprimir a tudo o que escreve.



Nestes três contos longos, Teresa Veiga detém-se no modo como o engano se inscreve nas rotinas mais discretas. Não há grandes confrontos nem revelações dramáticas. Há uma mulher que percebe, sem escândalo, que o marido que tem é outro, filhos que guardam segredos, figuras periféricas que se aproximam, heranças mal resolvidas, leis torcidas, silêncios que se instalam.
Tudo acontece devagar, sem alarde e são as mulheres que falam. Com ironia, clareza, uma inteligência cansada de fingimentos. Teresa Veiga escuta o que quase ninguém escuta, capta o que mal se diz. Na escrita, como nas relações, o mais importante está muitas vezes fora de campo.
Cada conto deixa essa impressão persistente: a de que o mais difícil não é ser enganado, mas entender o papel que se teve no engano.



A escrita de Valter Hugo Mãe aproxima-se do conto com a delicadeza de quem acolhe: cada história, aberta a leitores de todas as idades, sustenta-se numa esperança serena, nunca ingénua.
Entre a confiança e o receio, cães e lobos surgem como figuras da inquietação. Falam-nos da aprendizagem dos afetos, da escuta, da prudência que nos permite avançar sem nos perdermos. São contos sobre o gesto de cuidar, sobre a intimidade possível, sobre o que é preciso para que a felicidade se torne, mesmo que por instantes, habitável.
Esta obra conta com a participação de vários artistas plásticos, entre os quais a conhecida Ana Aragão, que enriquecem e se conjugam com as palavras.



Ler A Máscara e outros contos é submeter-se a um estranho encantamento. Não porque Stanislaw Lem construa mundos distantes, mas porque, a cada página, nos sentimos empurrados para dentro de nós próprios.
Entre sátiras mordazes e parábolas filosóficas, o autor de Solaris convoca-nos para experiências-limite, em que seres artificiais desenvolvem consciência, civilizações alienígenas não se deixam compreender e a liberdade é, por vezes, apenas um outro nome para o condicionamento. Há contos que arrancam sorrisos e outros que nos perturbam com perguntas sem resposta.
Lem não escreve para entreter nem para explicar: escreve para agitar e, mesmo passadas décadas sobre a sua primeira publicação, estes contos continuam a ser vislumbres de um futuro possível e, acima de tudo, de um presente inquietante. O autor confirma, conto após conto, o lugar que ocupa entre os grandes autores do século XX.

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O fascínio do conto não está apenas na brevidade, mas na forma como nos desinstala. Porque não exige fidelidade nem tempo infinito, mas impõe atenção total. Pede que se pare, que se escute, que se imagine além da última linha. Precisamos disso.
Lê-se um conto numa tarde, mas fica-se com ele durante muito mais tempo. Como se a sua concisão fosse só uma armadilha para nos deixar mais perto daquilo que importa: um olhar mais agudo, uma escuta mais funda, uma presença mais inteira diante da linguagem e do mundo.
Um conto por dia, nem sabe o bem que lhe fazia.

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WOOKACONTECE: Baseado numa História Verídica

Muitos escritores sentem a necessidade de olhar para trás, confrontar a infância, os lugares de origem, os traumas, os afetos e as ruturas que moldaram as suas vidas. Usar matéria autobiográfica como base para a escrita, longe de ser apenas um exercício de narcisismo, pode transformar-se numa ferramenta poderosa para entender o presente e, por vezes, reinventá-lo. Também para os leitores, o acesso a esses detalhes pessoais ultrapassa a simples curiosidade e é uma ponte que permite compreender melhor as motivações, os temas recorrentes e as escolhas do escritor, criando uma conexão mais profunda com a obra.
Artigo escrito por Zé Livreiro@confissoesdumlivreiro




Uma Educação é um mergulho brutal e luminoso numa infância à margem do sistema. Tara Westover nasceu nos anos 80, numa família mórmon radical, nos confins das montanhas de Idaho, onde a escola, os médicos e o governo eram vistos como inimigos. Viveu durante anos sem certidões, vacinas e aulas porque os pais acreditavam que a vida se resumia a trabalho árduo e cumprimento da doutrina religiosa. Mas Tara, ainda adolescente, descobre nos livros e no desejo de aprender uma saída para uma vida que parecia pré-determinada, e inicia uma longa travessia que culmina no acesso à universidade, onde é confrontada não apenas com o mundo exterior, muito diferente daquele que lhe foi apresentado pelos pais, como com a sua própria identidade, que entra em rutura. Este livro é um testemunho pungente acerca do processo doloroso e difícil de desaprender medos, e um relato corajoso de como a educação pode ser um ato de sobrevivência e, acima de tudo, de libertação do ser em relação ao meio que o sufoca.



Gabriel García Márquez foi o vencedor do Prémio Nobel da Literatura, em 1982, e deu a conhecer ao mundo um género literário que ele ajudou a criar. O realismo mágico revolucionou a literatura da América Latina e continua, até hoje, a ser uma característica vincada da produção literária dessas latitudes. O seu impacto deixou um lastro que tem vindo a inspirar autores das mais diversas geografias, como é o caso de Murakami, Salman Rushdie, Can Xue e, numa dimensão diferente, Mia Couto. É óbvia a influência de Juan Rulfo na escrita de Márquez, especialmente na forma como ambos criam narrativas que dilatam os limites da verosimilhança e integram elementos do folclore e da magia popular.
Mas a vida de Gabo foi uma tempestade perfeita de histórias à espera de um escritor que as contasse da melhor forma, e ao lermos Viver para Contá-la, a sua autobiografia, tomamos consciência disso. No livro, o autor de O Amor nos Tempos de Cólera escreve sobre a infância passada em casa dos avós, em Aracataca, povoação que serviria mais tarde de modelo para a criação de Macondo, centro da narrativa de Cem Anos de Solidão; sobre o surgimento da sua vocação literária, as visões políticas e relações pessoais que teve durante a vida. Nesta obra, é fácil fazer paralelismos entre realidade e ficção, e conseguimos perceber de que forma factos verídicos interferem na escrita e passam, depois de absorvidos, a fazer parte de um universo inventado.



Stefan Zweig, escritor austríaco do século XX, viu ruir a Europa em que acreditava, um continente de progresso, cultura e liberdade, com a ascensão de Hitler e de outros regimes totalitários. Ao longo das páginas de O Mundo de Ontem, assistimos à fuga física e sentimental de um homem desiludido e fragilizado. Inicialmente, foge para Inglaterra, mas ao aperceber-se da escalada de Hitler por todo o continente, decide exilar-se no Brasil, que ele acreditava ser o país do futuro. Mais do que um relato histórico e social, este livro é uma carta de amor a um tempo e a um espaço que já não existem. A escrita nostálgica e melancólica do autor de Amok e Novela de Xadrez ajuda-o a narrar o progressivo colapso de um mundo que parecia eterno e imperturbável. Zweig nunca mais voltou à Europa e acabou por suicidar-se no Brasil, convencido de que a barbárie, o medo, os nacionalismos e o ódio tinham triunfado sobre os ideais de liberdade e solidariedade entre os povos. Esta obra, publicada em 1942, continua cada vez mais atual.



Antes de se lançar no universo ficcional com A Gorda (2016) e Um Cão no Meio do Caminho (2022), Isabela Figueiredo escreveu Caderno de Memórias Coloniais (2009), um testemunho íntimo e cru sobre o fim do colonialismo português em Moçambique e consequente regresso de milhares de famílias para Portugal. Os vários textos que compõem este caderno são um ajuste de contas com o passado, com a infância e com o silêncio que pautou muitos momentos da vida de Isabela, que regressa a Portugal, no pós-25 de Abril, bastante jovem, e encontra um país que proclama mais liberdade e igualdade, uma realidade muito diferente daquela a que estava habituada em Moçambique, num meio carregado de racismo, sexismo e violência normalizada contra o povo africano. A autora sofre também com a ideia que a sociedade portuguesa tem dos retornados, os «portugueses de segunda». Sem medo de chocar, Isabela Figueiredo decide contar episódios da sua vida e da sua relação familiar com uma sinceridade desconcertante.



Paul Auster tem uma bibliografia extensa que não se limita à ficção. Muitos dos seus livros centram-se na sua própria vida, com destaque para os anos de formação, a educação e episódios que ajudam a compreender aspetos fundamentais da escrita do autor de Timbuktu, bem como os temas presentes nos seus romances. De todos os livros de pendor mais autobiográfico, Relatório do Interior (2013) é o mais intimista e honesto. Narrado sobretudo na segunda pessoa do singular, cria um diálogo interessante e inovador entre o narrador e o personagem da ação que, sendo a mesma pessoa, é observado com a distância crítica de quem se interroga a si próprio. Em vez de se concentrar nos grandes acontecimentos da sua vida, já explorados em Diário de Inverno, publicado no ano anterior, Auster explora as pequenas experiências formativas, as emoções difusas da infância e os momentos de revelação que moldaram a sua maneira de ser. O resultado é uma obra comovente e subtil, onde a memória não serve apenas para recordar, mas também para compreender o modo como o interior de um homem, e de um escritor, se constrói.


WOOKACONTECE: Entrevista a Luísa Sobral

 


Luísa Sobral é uma das mais destacadas cantoras e compositoras da nova geração da música portuguesa, tendo levado o seu romantismo aos ouvidos e bocas do mundo com Amar pelos Dois, a canção vencedora do Festival Eurovisão da Canção de 2017. Certo dia, sentiu que uma história que a tocou especialmente, a de Maria Feliz, não cabia na canção que lhe dedicou. Precisava de mais espaço, mais tempo. E assim nasceu Nem Todas as Árvores Morrem de Pé, o primeiro romance de Luísa Sobral.
Partindo de um caso real e trágico para a ficção, a história alterna entre duas protagonistas, Emmi e M., cujas vidas se entrelaçam nos 50 anos mais dolorosos da história recente da Alemanha. Emmi, nascida nas vésperas da ascensão de Hitler ao poder, perde o pai na guerra e tem uma adolescência difícil, até se apaixonar por Markus, um homem de Berlim Leste. Em pleno auge da Guerra Fria, decide ir viver com ele para a RDA. Mas quando o Muro de Berlim é erguido, a dor da separação da família deixa-a num abismo sem fundo. M., nascida após a divisão do país, adora o pai, mas sofre com o alheamento da sua mãe. Acreditava viver num mundo socialista perfeito, até as suas convicções se estilhaçarem, lançando-a num caminho com destino ao outro lado do Muro.
Mergulhamos, com Luísa Sobral, na sua estreia literária.

*Esta entrevista foi originalmente publicada na revista Wookacontede de maio de 2025.


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WOOKACONTECE: Atualizar o Mito


Por Zé Livreiro
Os retellings conquistaram a literatura contemporânea como formas criativas de revisitar os clássicos. Mais do que simples interpretações de uma história, estes livros são exercícios de escuta que procuram, acima de tudo, perceber o que ficou por dizer no texto original, quem foi deixado de fora e que novas leituras podem surgir à luz da realidade em que vivemos. Madeline Miller, Barbara Kingsolver, Pat Barker, Percival Everett e Sandra Newman são autores que, ao reinventarem obras canónicas, deram voz a personagens esquecidas, trouxeram os enredos para os dias de hoje e abriram espaço a novas formas de contar as mesmas histórias.


Em James, Percival Everett resgata do silêncio uma das figuras mais marcantes e ignoradas da literatura mundial. Jim é um escravo assombrado pela possibilidade de ser vendido, enviado para longe e separado para sempre da mulher e da filha. Decide, por isso, esconder-se. É então que a sua vida se cruza com a de um jovem, também em fuga, que fingiu a própria morte para escapar ao pai violento. Juntos, descem o Mississípi numa jangada em busca de liberdade e de uma vida melhor. O jovem é Huckleberry Finn, herói consagrado da literatura americana; e Jim será o seu companheiro de viagem. Everett pegou neste clássico de Mark Twain e reimaginou-o a partir de um novo ponto de vista, profundamente marcado pela consciência racial do século XXI. Durante a ação de As Aventuras de Hucleberry Finn, Jim é uma personagem pouco desenvolvida, cuja única função é a de acompanhar Huck na sua viagem de autodescoberta. Não há oportunidade para conhecermos verdadeiramente este homem que, apesar de ter muitos sonhos, medos e desejos, nunca é realmente ouvido nem compreendido. Tudo o que sabemos sobre ele é filtrado pelos olhos de Huck mas, neste retelling, é-lhe concedida a possibilidade de ser o protagonista da sua própria história e agente ativo na busca da tão desejada liberdade.

WOOKACONTECE: Livros para sobreviver ao domingo à tarde

Por Analita Alves dos Santos

Há um certo desconforto nos domingos à tarde: a promessa da manhã já passou, e a urgência da noite ainda demora. São intervalo morno entre o repouso e o dever da segunda-feira que espreita. O tempo de descanso escapa sem pedir licença, a televisão grita e as redes sociais cansam. A casa arruma-se sozinha — ou não se arruma de todo. E nós, ali, somos elefantes na sala, imóveis, desconcertados, sem saber se queremos dormir ou recomeçar tudo.
Esta lista não sugere romances felizes nem autoajuda disfarçada de ciência. Também não serve para motivar ninguém. A proposta é outra: leituras que validam o tédio e o transformam em companhia. Estes são livros que não prometem soluções, mas abrem frestas e não ocupam o silêncio. Apenas se sentam ao nosso lado, como quem diz: «Eu também não sei bem o que fazer, mas fico aqui contigo.»


Comecemos por Qual É o Teu Tormento, de Sigrid Nunez, romance que Almodóvar adaptou para o cinema e que possui tudo o que este momento exige: empatia, humanidade e diálogo. Ao acompanhar uma amiga em fim de vida, a narradora mergulha nas pequenas histórias que salvam do absurdo: sobre livros, amores fracassados e juventudes passadas. E há, em tudo isso, ternura. Ler Nunez é aceitar que, às vezes, viver é apenas permanecer, mesmo quando a vida se afigura sem enredo.
Abaixo encontra-se o trailer de O Quarto ao Lado, adaptação ao cinema em 2024 por Pedro Almodóvar.











Livros para quando se perde a fé (em Deus, no amor ou em si mesmo)

Por Analita Alves dos Santos
Perder a fé nem sempre significa deixar de acreditar em Deus. Às vezes, a primeira fé que se perde é em nós mesmos. Noutras ocasiões, o amor desmorona, a esperança dissolve-se e a literatura torna-se uma forma de presença — não nos salva, grita bem alto «presente».
Nestes momentos, não procuramos livros que ofereçam soluções, só compreensão. Por vezes, uma frase basta para nos sentirmos acompanhados. Outras vezes, precisamos apenas de uma página que não nos minta.


O Homem em Busca de um Sentido é um desses livros inabaláveis. Escrito por Viktor E. Frankl, que sobreviveu a Auschwitz e viu desaparecer toda a sua família, carrega uma lucidez que recusa o desespero. Frankl não escreve para consolar: partilha o que descobriu no limite da existência — que o ser humano precisa de um «para quê», que o sentido não é um luxo, mas fator de sobrevivência.
A leitura deste livro não nos protege da dor. Proporciona-nos um mapa para seguir adiante, pois, mesmo no vazio, há possibilidade de reconstruir sentido. Nem sempre reencontramos Deus. Talvez encontremos a vontade de cuidar de alguém, de escrever ou, simplesmente, de não desistir. Ao longo do texto, Frankl descreve também a criação da logoterapia, uma abordagem terapêutica centrada no sentido da vida. O seu testemunho é, ao mesmo tempo, íntimo e universal, e permanece como um dos livros mais transformadores já escritos sobre sofrimento e transcendência.



O Abismo Vertiginoso, de Carlo Rovelli, leva-nos noutra viagem: à natureza da realidade. Este é um livro que parece tratar de física e fala de desconcerto: do que escapa à lógica linear, das ligações invisíveis que nos constituem. Não há respostas absolutas, apenas um convite para aceitar a incerteza como parte da beleza do mundo.
Quando se perde a fé, este tipo de leitura afigurar-se-á um abrigo. Porque, por vezes, não queremos ser convencidos de nada; queremos apenas escutar uma inteligência que não nos simplifique. Rovelli constrói uma ponte entre ciência, filosofia e poesia, mostrando que a realidade, assim como a vida, não se revela em linhas retas, mas em relações e interações. É uma leitura desafiante e profundamente estimulante, que nos obriga a rever a ideia de «certeza».








Sobre a Morte e Morrer, de Elisabeth Kübler-Ross, oferece-nos uma coragem rara: a de olhar o fim nos olhos. A sua abordagem às cinco fases do luto não é um protocolo emocional. É uma forma de dar espaço ao que mais nos assusta. Este livro não nos ensina a evitar a dor; mostra que ela tem lugar, tem tempo e um nome.
Para quem perdeu um amor, um futuro, um sentido, ler este livro será, quiçá, um ato de reconhecimento e, talvez, o primeiro gesto para aceitar que a dor também é uma forma de continuar a amar. A autora recorre a décadas de experiência com pacientes terminais, revelando a importância da escuta ativa e da presença humanizada nos momentos finais. O livro permanece atual e necessário, sendo usado em hospitais, centros de saúde e também fora deles como guia para compreender os nossos lutos.





O Teu Êxito é Inevitável, de Maïté Issa, propõe uma mudança interior através da manifestação. Eis um livro que dialoga com a fé de forma distinta: diz-nos que somos cocriadores da realidade e que o pensamento pode ser moldado e transformado. Distante dos anteriores, todavia, aproxima-se deles ao afirmar que o sentido permanece possível, mesmo após a queda.
É um livro que não evita palavras e conceitos como «êxito» ou «abundância» e que também reconhece os bloqueios que nos impedem de os alcançar. Ao incluir exercícios práticos, não promete milagres; convida-nos a assumir uma postura ativa. Com uma linguagem acessível e motivadora, a autora estrutura o texto de forma progressiva, ensinando-nos a identificar crenças limitadoras e a substituí-las por narrativas internas mais férteis. Uma leitura que apela à ação e à responsabilidade pessoal, sem perder a dimensão espiritual.




O Pequeno Livro do Ikigai, de Ken Mogi, apresenta-nos uma filosofia japonesa centrada no propósito. Pequeno apenas no tamanho, este livro é uma entrada para uma vida mais silente e significativa. Começar pelas pequenas coisas, viver aqui e agora, encontrar harmonia — princípios aparentemente simples, talvez tudo o que nos resta quando o resto falha.
Fundamentado na observação da cultura japonesa e enriquecido por estudos em neurociência, Mogi introduz os cinco pilares do ikigai com delicadeza e precisão. Não se trata de uma fórmula de felicidade instantânea. Trata-se de um caminho feito de constância e atenção, no qual a beleza do quotidiano tem lugar.








Deixa Estar, de Mel Robbins, lembra-nos que há momentos em que a fé não regressa por esforço, e sim, pela rendição. O controlo apresenta-se como uma ilusão cansativa; muitas vezes, o maior ato de fé é permitir que a vida nos fale, em vez de tentarmos impor-lhe a nossa voz.
Baseado na chamada Teoria Deixa Estar, propõe uma nova abordagem ao bem-estar emocional: menos esforço, mais autenticidade. Robbins, conhecida pela clareza com que comunica ideias complexas, encoraja-nos a abandonar o que não nos serve e a recentrar a atenção naquilo que realmente controlamos — as nossas escolhas. Uma proposta prática e libertadora para quem já tentou tudo.








Estas obras não acarretam respostas definitivas, mas fazem-nos repensar. E, quando se perde a fé, isso pode bastar para que ela encontre caminho de volta — não como antes, mas com outra forma, outra designação. E talvez isso seja tudo o que precisamos em determinados instantes da nossa existência.

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Elizabeth Strout: um guia para ler a série Lucy Barton



Acaba de chegar às livrarias Conta-me tudo, o romance mais recente de Elizabeth Strout, uma das escritoras americanas mais aclamadas da atualidade. Se ainda não leu Strout, damos-lhe a conhecer a série Lucy Barton.
É desta curiosidade e capacidade de entender o outro que a autora constrói as suas personagens: complexas, cheias de virtudes e defeitos, ambiguidades e contrariedades, espelhando um entendimento acutilante do que são a humanidade e as relações humanas.

Elizabeth Strout é vencedora de um Pulitzer e foi nomeada para o Booker Prize, Women’s Prize for Fiction e o PEN/Faulkner Award. A sua obra, publicada em Portugal pela Alfaguara, divide-se entre as série Lucy Barton, composta por cinco livros, a duologia Ollive Kitteridge e o romance Amy e Isabelle.

Se ainda não leu nada da autora, compilámos um guia para se familiarizar com Conta-me tudo e restantes livros da série Lucy Barton:


Um guia para ler a série Lucy Barton, de Elizabeth Strout


Em O meu nome é Lucy Barton, Elizabeth Strout emprega a sua invulgar capacidade de observação das relações humanas para lançar luz sobre a mais basilar e complexa de todas elas – a relação entre mães e filhas. Quando a mãe a visita no hospital, depois de muitos anos de separação, Lucy vê-se obrigada, por esta visita inesperada, a enfrentar o seu passado enterrado, pondo em causa a fachada da sua vida brilhante em Nova Iorque. A partir da cama de hospital de Lucy, os leitores são atraídos para a história desta família e para as memórias que os unem.



Depois de O Meu Nome é Lucy Barton, Tudo é Possível conta a história do regresso de Lucy à sua cidade natal, no Midwest americano. Após dezassete anos de ausência, o seu regresso ao lugar da infância é também, necessariamente, um reencontro com o passado e os irmãos que deixou para trás. Aprofundando os laços familiares explorados no primeiro livro, esta sequela sublinha as ambiguidades e ambivalências da alma humana, que Strout tão bem retrata.




O terceiro livro da série, Oh, William! conta a história da segunda metade da vida de Lucy Barton. Navegando agora o mundo enquanto recém-viúva e mãe de filhas adultas, Lucy parece estar a viver uma existência completamente nova, até que um encontro surpresa com o primeiro marido, William, volta a ligar o casal. Ao evocar o passado de ambos, Strout compõe o retrato de uma convivência de décadas, conturbada e cúmplice, que reflete, mais uma vez, sobre o profundo mistério da existência e os segredos de família que regressam sem aviso e nos deixam aturdidos. Oh, William! foi nomeado para o Booker Prize 2022.




Lucy à beira-mar é uma história rica em empatia, emoção, perda e esperança. Quando o medo pandémico se apodera da cidade, o ex-marido de Lucy, William, implora-lhe que fujam de Nova Iorque para uma casa costeira no Maine. Ela concorda com relutância, na expetativa de que a estadia dure apenas uma ou duas semanas. À medida que as semanas se transformam em meses, Lucy e William voltam a ser os companheiros de há tantos anos — desta vez isolados do mundo em colapso, a sós com um complexo passado, com as suas memórias e desejos. No cerne desta história estão os laços profundos que nos unem, mesmo quando separados: o vazio após a morte de alguém que amamos, ou o consolo de um antigo amor que afinal perdura.




Em Conta-me Tudo, os caminhos de Lucy Barton e Olive Kitteridge, personagem de outra série da autora, cruzam-se finalmente. Quando o chefe da câmara Bob Burgess se vê envolvido numa investigação de homicídio, a amizade com Lucy Barton mantém-no à tona. Entretanto, Lucy faz uma nova amiga, Olive, com quem partilha histórias sobre as pessoas que conheceram – dando sentido às suas vidas. Com o regresso triunfal de duas personagens maiores que a vida, Elizabeth Strout traz-nos um romance de esperança e gratidão, sobre a força do amor e da amizade, a passagem do tempo e o poder da memória.


WOOKACONTECE: Yukio Mishima: 100 anos do escritor que viveu entre a pena e a espada

Yukio Mishima discursa na varanda do edifício da Força de Auto-Defesa Terrestre do Japão, em Tóquio, antes de se suicidar. Fonte: Wikimedia Commons


Yukio Mishima, uma das figuras mais complexas e fascinantes da literatura japonesa, nasceu em Tóquio a 14 de janeiro de 1925, há exatamente 100 anos. Viveu uma vida intensa, e por vezes aparentemente contraditória, que culminou numa morte dramática e autoinfligida, em nome de um ideal do Japão que já esmorecera. Desiludido com o rumo ocidentalizado que o seu país tomou após a II Guerra Mundial, Mishima guiou-se pelo conceito samurai da harmonia da pena e da espada, em que a pena simboliza o conhecimento e a espada, a força. Isto porque, além de escritor, Mishima ambicionava tornar-se um homem de ação.

Em 1970, aos 45 anos, Yukio Mishima já havia publicado 33 romances, 50 peças de teatro, 25 compilações de histórias curtas e pelo menos 35 livros de ensaios, e tinha sido indicado por quatro vezes ao Nobel da Literatura. O seu 34º romance, o fim de uma tetralogia, já estava concluído. O que aconteceu, então, para que tivesse decidido pôr termo à sua vida, num dos episódios mais marcantes da história cultural contemporânea?
Quatro anos antes, em 1966, o escritor dissera numa entrevista: «Considero que a ideia de que alguém possa viver apenas para si próprio é manifestamente vulgar, porque temos ideais. Só podemos agir em nome de algo». E acrescentou: «Rezo por uma morte honrosa, uma morte em nome de uma causa». Essa causa, encontrou-a em vida…

UMA PROFUNDA DEVOÇÃO PELA CULTURA TRADICIONAL JAPONESA
Yukio Mishima nasceu com o nome de Kimitake Hiraoka em 1925, em Tóquio, e demonstrou desde muito cedo uma grande sensibilidade pelo que o rodeava, o que se manifestaria nas suas obras como um profundo interesse pela condição humana e pela mente. Criado no seio de uma família de samurais no Japão pré-guerra, que foi perdendo o seu estatuto, Mishima valorizava profundamente o dever, a honra e a tradição. Cresceu sob a influência de uma avó dominadora, que o introduziu na literatura clássica japonesa e no ethos dos samurais.
Num Japão em transformação, a sua vida e educação foram marcadas por privilégios e tumultos – era uma criança doente e foi muitas vezes afastado dos seus pares – que resultariam nas múltiplas personas que retrataria nos seus romances. Desde cedo, demonstrou um talento extraordinário para a escrita, publicando sua primeira obra aos 16 anos. Após estudar Direito e trabalhar e brevemente no Ministério das Finanças, decidiu dedicar-se completamente à literatura, tendo como influências literárias Oscar Wilde e Rainer Maria Rilke. A sua intensa autodisciplina resultou na sua prática de escrever desde a meia-noite até ao amanhecer.
Mishima tinha uma profunda devoção pela cultura tradicional japonesa, especialmente pelo bushido, o código de honra dos samurais. Ao mesmo tempo, era fascinado pela modernidade e pelo Ocidente – incluindo o bodybuilding e as formas de arte globais – um paradoxo que permeia tanto a sua vida quanto a sua obra. Yukio era um nacionalista declarado que defendia a restauração da tradição imperial e dos valores culturais do Japão, que ele acreditava terem sido corroídos pela ocidentalização e pelo materialismo do pós-guerra. O facto de a sua personalidade pública, meticulosamente elaborada, combinar elementos de celebridade moderna e ideais guerreiros antigos, levou muitos a questionarem-se até que ponto a sua vida era uma atuação. Mas poucas personalidades levaram tão a sério as suas convicções.

O ESCRITOR QUE FORMOU E COMANDOU UMA MILÍCIA PRIVADA DE SAMURAIS
Mishima sentia-se profundamente atraído pelo patriotismo austero e pelo espírito marcial do Japão do passado, algo que contrastava com a sociedade japonesa do pós-guerra. Mas isso não significa que ele próprio não se sentisse dividido: embora mantivesse um estilo de vida privado essencialmente ocidental, o que o indignava e não aceitava era a imitação que o Japão fazia do Ocidente.
A sua entrega a estes ideais era tal que, após se ter dedicado intensamente às artes milenares japonesas do karaté e do kendo, formou uma milícia privada, a Tatenokai (Sociedade do Escudo), não sem gerar controvérsia. Este grupo militar era composto por jovens dedicados aos valores tradicionais japoneses, e que seguiam fielmente o comando de Mishima. A Tatenokai simbolizava o desejo de preservar o espírito marcial japonês e de ajudar a proteger o imperador (o símbolo da cultura japonesa) em caso de revolta da esquerda ou de um ataque comunista. Em última análise, visava reavivar o espírito samurai no Japão moderno.

DO GOLPE MILITAR FALHADO AO SEPUKKU, O SUICÍDIO RITUAL
Os milicianos da Tatenokai recebiam treino das Forças de Autodefesa do Japão, as forças armadas do país, já que o governo japonês permitia e apoiava a sua existência. Mas Mishima tinha planos muito bem definidos, e quis ir mais longe.
Yukio Mishima era o romancista vivo mais famoso do Japão quando, em 25 de novembro de 1970, se dirigiu ao quartel-general da Força de Autodefesa, em Tóquio, com quatro membros da Tatenokai, raptou o comandante, mandou-o reunir a guarnição e tentou dar início a um golpe de Estado. Na varanda do edifício, elegantemente vestido com um traje militar, fez um discurso dirigido aos soldados reunidos no pátio, exortando-os a revoltarem-se num golpe de Estado. Insurgiu-se contra o Estado e a Constituição apoiados pelos Estados Unidos, repreendeu os soldados pela sua submissão e desafiou-os a devolver ao Imperador a sua posição anterior à guerra como deus vivo e líder nacional. Os soldados, que começaram por ouvi-lo, depressa abafaram o discurso de Mishima com vaias, insultando-o. O seu apelo foi recebido com escárnio e desdém e a sua tentativa de golpe simbólico fracassou. Mishima voltou para dentro, dizendo: «Acho que não me ouviram». Decidido, prosseguiu com o seu plano derradeiro, que preparava já há um ano. Ajoelhou-se e cometeu sepukku, o ritual de suicídio dos samurais, encerrando dramaticamente sua vida aos 45 anos. Ao seu lado, Masakatsu Morita, o líder espiritual da milícia, fez o mesmo. Ninguém morrera de sepukku desde os últimos dias da II Guerra Mundial. O dia do fim chocante e dramático de Mishima foi também aquele em que terminou o último volume da tetralogia do Mar da Fertilidade, cujo manuscrito entregar ao seu editor nessa manhã. Entregava-se, sem assuntos pendentes, à posteridade.

UMA OBRA LITERÁRIA BRILHANTE E PROFÍCUA QUE ESMAGOU TABUS
Apesar de todas estas controvérsias, o génio literário de Mishima permanece inegável e as suas obras são consideradas das mais notáveis da literatura japonesa. Explorando a natureza humana e rebelando-se regras e normas da sociedade, a obra de Mishima funciona como uma janela para a sua própria mente e para o espírito japonês, sendo um testemunho de intelecto e omnipotência.
O escritor explorou, com ousadia, a angústia existencial do coração humano, não deixando de fora conceitos tabu, à época, como a sexualidade e o homoerotismo, a obsessão, o sadomasoquismo e a interação entre beleza, brutalidade, violência e morte.
O interesse marcado de Mishima pela pela tradição cultural japonesa levou-o a escrever também, com uma capacidade única entre os seus pares, no género das peças clássicas Kabuki e Noh. Além do seu estilo, ornamentado e meticulosamente trabalhado, o sucesso de Mishima deveu-se também à sua eficácia em captar o sentimento de vazio e desespero que caracterizou muitos japoneses durante o período pós-guerra. Destacamos, abaixo, algumas das obras mais notáveis de Yukio Mishina, entre as dezenas de obras que deixou, dos romances, contos e peças de teatro aos ensaios literários e guiões de cinema.



Foi o primeiro livro que Mishima escreveu e estabeleceu a sua reputação no Japão em 1949, quando tinha apenas 24 anos, graças ao seu brilhantismo estilístico e à abordagem de temas tabus. Nesta obra semiautobiográfica, faz o seu retrato de artista enquanto jovem que cresce num Japão que vai para a guerra e sofre a derrota, e aceita o facto de a descoberta da sua homossexualidade não estar sintonizada com a sensibilidade da maioria dos outros jovens. Tentando evitar a repressão e o conformismo, o protagonista sente-se sufocado pelas normas sociais e tem de assumir uma máscara para se proteger. Identidade, género e sexualidade fundem-se nesta viagem de autodescoberta deste jovem com tendências niilistas e um desejo de encontrar autenticidade e significado.



o Templo Dourado é a história de Mizoguchi, um confuso jovem acólito de um templo budista. O seu desejo de encontrar a beleza inata na sua própria perceção da realidade tornou-o obcecado pela beleza do templo. Numa busca pela transcendência e pela satisfação de desejos espirituais, vive em tal angústia e desespero que acaba por atear fogo ao templo, enquanto reflete sobre o conflito entre beleza e destruição.
Mishima inspirou-se numa ocorrência real: em 1950, o Pavilhão Dourado de três andares em forma de quadrado, um tesouro nacional do Templo Kinkakuji em Quioto, foi incendiado por um discípulo do templo, de 22 anos, Hayashi Kon. Depois de recolher o máximo de informação possível, Yukio Mishima debruçou-se sobre o mundo metafísico de Hayashi, e a sua escrita transporta-nos para um mundo diferente – aquele que era percebido pelo incendiário esquizofrénico.



O romance começa com dois protagonistas: Noboru, um adolescente que questiona o mundo e a realidade, cujo grupo de amigos rejeita os valores do mundo dos adultos; e Ryuji, um marinheiro que simboliza a libertação e as aventuras, que entra na vida de Noboru quando se envolve com a mãe deste. O rapaz fascina-se com as histórias de façanhas no alto-mar, com a coragem e a calma daquele homem, e com a solidez do seu corpo. Mas quando o marinheiro desilude os ideais fundamentalistas do grupo de adolescentes, estes montam um plano de vingança. As partes pungentes do romance sobre uma geração traumatizada pelas consequências da guerra e a procura de beleza e autenticidade, assim como da honra perdida do Japão, continuam a ser os pontos-chave nesta obra literária.



A última obra de Mishima, a tetralogia Mar da Fecundidade, escrita entre 1965 e1970, é um épico em quatro volumes que é considerado por muitos como a sua realização mais duradoura. Os seus quatro romances separados Neve de Primavera, Cavalos em Fuga, O Templo da Alvorada e O Declínio do do Anjo, decorrem no Japão e cobrem o período entre 1912 e 1960.Cada um deles retrata uma reencarnação diferente do mesmo ser: como um jovem aristocrata em 1912, como um fanático político nos anos 1930, como uma princesa tailandesa antes e depois da II Guerra Mundial, e como um jovem órfão malvado nos anos 1960. Estes livros comunicam eficazmente a obcessão crescente de Mishima pelo sangue, pela morte e pelo suicídio, o seu interesse por personalidades auto-destrutivas e a sua rejeição da esterilidade da vida moderna.


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Yukio Mishima é uma figura universal cuja obra transcende fronteiras culturais e temporais. Os seus romances são tipicamente japoneses na sua apreciação sensorial e imaginativa dos elementos naturais, mas os seus enredos sólidos e bem construídos, a sua análise psicológica profunda e um certo humor discreto ajudaram a torná-los muito lidos noutros países.
Com uma habilidade ímpar de unir beleza estilística, intensidade emocional e profundidade filosófica, Mishima influenciou gerações de escritores em todo o mundo. Quase 50 anos após a sua morte, permanece um exemplo de como a literatura pode capturar a essência de uma época e, ao mesmo tempo, ser intemporal.




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Homenagem a Alice Vieira. Escritora "teve grande coragem para escrever livros que romperam com estigmas da sociedade"

 

A escritora Alice Vieira
Gerardo Santos / Global Imagens (arquivo)


A celebrar 45 anos de obra literária, a escritora Alice Vieira é homenageada, este sábado, no Norte do país. Haverá uma tertúlia, uma exposição e a peça de teatro "Rosa, minha irmã Rosa", a partir do primeiro livro de Alice Vieira, publicado há precisamente 45 anos. A iniciativa é do projeto Retratos Contados.

Em declarações à TSF, o responsável Nelson Mateus destaca a importância do primeiro título de Alice Vieira, que sobe ao palco esta noite. "A Rosa foi o primeiro livro da Alice, segundo a conversa da Alice Vieira nem sequer era para ser livro, eram umas páginas que ela começou a escrever com os filhos para eles estarem entretidos nas férias. Só que, entretanto, o marido da Alice, Mário Castrim, compilou os textos, mandou-os para uma editora e é um livro que é um sucesso e que já vai na 34.ª edição", explica à TSF Nelson Mateus.


📢 Ler notícia completa aqui no site da TSF.



Novo e último romance do escritor Mario Vargas Llosa, “Dedico-lhe o Meu Silêncio”, é publicado em Portugal

 

o escritor peruano, Mario Vargas Llosa


📢 Notícia avançada por Comunidade Cultura e Arte:

    O escritor peruano Mario Vargas Llosa publica esta quinta-feira em Portugal o seu último romance, “Dedico-lhe o Meu Silêncio”, com o qual encerra a carreira literária como ficcionista, segundo o próprio, que admite escrever apenas mais um ensaio.
    Numa nota no final da obra, Mario Vargas Llosa, de 88 anos, escreve: “Penso que já finalizei este romance. Agora gostaria de escrever um ensaio sobre Sarte [o filósofo francês Jean-Paul Sartre], que foi meu mestre quando eu era jovem. Será o último que escreverei”.
    Dois meses após publicar este romance, Mario Vargas Llosa, que também escreve em jornais, anunciou o fim da publicação das crónicas de opinião que assinou durante 33 anos no jornal espanhol El País. Isto não significa que pretenda parar de trabalhar, antes pelo contrário, como afirmou numa entrevista ao jornal La Vanguardia: “Nunca deixarei de trabalhar e espero ter forças para fazê-lo até o fim”. A justificação apresentada pelo escritor peruano para pôr fim à escrita de romances é admitir que não viverá “tanto para escrever outro livro”.



Capa do livro

SINOPSE
Pode dizer-se que o novo romance de Varga Llosa o devolve aos terrenos da utopia; desta vez, com a música peruana como fio condutor. O protagonista da história, Toño Azpilcueta, é especialista em «música crioula» e descobre um violonista, Lalo Molfino (personagem de Travessuras da Menina Má). O talento do violonista revive o amor de Toño pelas valsas, marineras, polcas e huaynitos, peças enraizadas na música popular do país. A música crioula não é apenas uma marca do país; é muito mais importante: um elemento capaz de provocar uma revolução, quebrando preconceitos e barreiras raciais para unir todo o país.

O romance decorre no início dos anos 90, em plena ofensiva terrorista do movimento comunista Sendero Luminoso. A música revela-se como elo de união de uma sociedade e o virtuosismo de Lalo Molfino seria decisivo. Toño Azpilcueta decide investigar o guitarrista para descobrir como ele se tornou um músico tão excelente.

Assim, viajou pelo Peru até à sua terra-natal, mergulhando nos seus mistérios, na história da sua família, nas suas relações amorosas. É então que tem a ideia de escrever um livro para contar a história da música crioula.

Documental: "Un viaje personal por "LE DEDICO MI SILENCIO", la última novela de Mario Vargas Llosa


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Penguin Magazine 🐧: A Voz dos Tradutores

 


Nunca como agora se falou tanto, em Portugal, sobre o ofício do tradutor. Somos, reconhecidamente, um país com «tradutores de referência», artesãos da língua portuguesa que conferem um carimbo de qualidade aos livros a que se dedicam. Nas últimas décadas, são incontornáveis, por exemplo, os nomes de António Pescada, António Sousa Ribeiro, Helena Topa, Isabel Castro Silva, João Barrento, Jorge Vaz de Carvalho, Margarida Periquito, Maria de Lourdes Guimarães, Paulo Faria ou Pedro Tamen, para nomear apenas alguns. Apesar de povoarem as nossas estantes, nem sempre reconhecemos os seus nomes de imediato, exceto quando são também escritores de relevo, como, por exemplo, Ana Luísa Amaral, Daniel Jonas, Frederico Lourenço, José Bento, Luísa Costa Gomes, Margarida Vale de Gato, Tânia Ganho ou Vasco Graça Moura.
Mais do que nunca, importa nomear os tradutores. Sem o seu trabalho de engenho e minúcia, não conheceríamos a grande literatura mundial tal como ela existe em português. Numa altura em que o foco mediático se dirige para a ameaça da Inteligência Artificial que paira sobre as condições de trabalho dos tradutores e com a criação do Coletivo de Tradutores Literários, conversámos com alguns dos membros desta nova estrutura.