Falar de democracia com as crianças
Há várias formas de abordar o tema da democracia com as crianças e com os jovens. Por um lado, há conteúdos escolares que tratam o tema de forma directa; por outro lado, há práticas democráticas com as quais as crianças convivem e que podem ser o trampolim para esses diálogos.
Quando faço oficinas de diálogo com crianças e temos de escolher uma pergunta ou aquilo que vamos fazer é comum a sugestão de votar para nos ajudar a escolher. A prática do voto e de que a maioria é que ganha é comum junto das crianças. Quando essa sugestão surge da parte de uma criança podemos aproveitar para explorar a razão pela qual escolhemos votar para decidir entre uma coisa ou outra. Também podemos falar sobre a regra da maioria.
Há alguns anos, num trabalho de continuidade com uma turma do 3.º ano do 1.º ciclo o tema da votação surgiu como solução para escolhermos o que íamos fazer. Aplicámos a regra da maioria como critério para essa escolha e houve uma criança que me perguntou: “Joana, e se a maioria estiver errada?”. Eis uma pergunta preciosa que nos faz pensar no papel da maioria e da minoria num ambiente democrático.
Sugestão de exercício (em casa ou na escola)
Escolha um dos livros recomendados (ou outro) para servir de trampolim para este exercício. Recomendo que a pessoa que fará a mediação da leitura esteja familiarizada com o livro e com os conteúdos que apresenta. Tenha particular atenção à linguagem aos termos que possam ser menos familiares para si e para as crianças, dedicando algum tempo à sua investigação.
Consoante o tamanho do livro, poderá fazer vários momentos de leitura e de exercício para que possa explorar tranquilamente os conteúdos. Por exemplo, o livro Política para Crianças apresenta bastante informação e talvez seja de considerar uma leitura capítulo a capítulo.
Uma vez feita a leitura do livro ou do capítulo com a criança (ou com o grupo das crianças), lance o convite para elaborar um mapa mental com palavras que associamos a democracia. Sem ter em vista um número mínimo ou máximo de palavras, procure não ter pressa na construção desse mapa.
Uma vez construído o mapa, escolham oito palavras que vos parecem mais relevantes ao abordar o tema da democracia. Com uma folha de papel construam um quantos queres e insira essas palavras no seu interior.
Brinquem ao quantos queres para obter as palavras a partir das quais irão fazer perguntas. Por exemplo, imagine que a palavra que calha no quantos queres é “eleições”. Convide a criança ou as crianças a fazer perguntas sobre as eleições e a sua relação com a democracia. Exemplos de perguntas em torno da democracia e das eleições:
- Quantas formas diferentes há para votar?
- A maioria está sempre certa?
- Como seria se fosse a minoria a decidir?
- A democracia é uma competição?
- Votar é importante?
- O que acontece se ninguém votar?
Depois de reunirem algumas perguntas dialoguem sobre as mesmas. Podem escolher uma pergunta por semana para um diálogo mais longo. Também podem aproveitar o tempo das viagens casa/escola para iniciar a conversa.
Vamos continuar a investigar?
Outros recursos podem ser úteis para investigar a democracia. Nesse processo temos de ter alguma cautela com a desinformação. O autor do livro Critical Thinking, Tom Chatfield, deixa algumas recomendações para que seja mais fácil topar a desinformação sobretudo no ambiente online:
- praticar o ceticismo perante os títulos apelativos ou headlines;
- prestar atenção ao link do conteúdo;
- investigar a fonte, se é credível e se o/a autor/a é especialista no assunto;
- prestar atenção a formatações estranhas, no texto ou nos formatos;
- prestar atenção às imagens que acompanham o conteúdo;
- verificar as datas de publicação ou de atualização desse conteúdo;
- verificar as fontes citadas;
- pesquisar por outras fontes sobre o mesmo assunto.
A desinformação pode ter vários níveis: podemos estar a lidar com mentiras, com boatos ou piadas ou com relatos tendenciosos que pretendem distorcer os factos. A este propósito poderá ainda ler o livro Fake News de Susan Martineau e Vicky Barker (Lilliput).
Boas leituras e de bons diálogos!
Joana Rita Sousa
(filósofa, perguntóloga, mediadora da leitura e do diálogo | filocriatividade)