AUGARTEN, VIENA
O bunker esquecido pela Segunda Grande Guerra
ficou abandonado aqui neste parque de Viena.
Era muito difícil destruí-lo sem fazer explodir todo o bairro
à sua volta:
os pequenos lojistas, hoje turcos na maioria,
que todos os verões se vêm sentar no passeio à porta das suas
lojas,
as crianças que passeiam no parque
trazidas pela mão os carrinhos
por muitas e diversas mães,
o edifício antigo à beira do parque onde Beethoven estreou a
Sonata Kreutzer,
um bairro inteiro que seria destruído
só por causa de um velho bunker
a que já ninguém dá importância.
E ali ficou, feio de morrer,
coberto de inscrições
«Sex bitte», «Fick dich», coisas assim
Sem audácia nem imaginação.
Um bunker é muito triste quando já nem o medo nos pode dar,
nem uma inscrição original nas paredes,
nem uma sobra de street art,
nem um poema que seja melhor do que este.
Ficou ali. É um memorial daquilo de que se não quer ter
memória.
e por isso ficou ali.
Ouvi crianças perguntar o que era, para que servia
tão estranho edifício.
«Das Bunker», respondiam mães apressadas,
às vezes morenas com o véu a tapar o cabelo, às vezes louras com
Longas pernas brancas,
mas todas insensíveis ao gigantesco mono de cimento
abandonado a este parque, a esta vida.
Luís Filipe Castro Mendes, As Manhãs que Não Conheces, Assírio & Alvim, janeiro de 2025, pp. 30-31