WOOKACONTECE: Livros para sobreviver ao domingo à tarde

Por Analita Alves dos Santos

Há um certo desconforto nos domingos à tarde: a promessa da manhã já passou, e a urgência da noite ainda demora. São intervalo morno entre o repouso e o dever da segunda-feira que espreita. O tempo de descanso escapa sem pedir licença, a televisão grita e as redes sociais cansam. A casa arruma-se sozinha — ou não se arruma de todo. E nós, ali, somos elefantes na sala, imóveis, desconcertados, sem saber se queremos dormir ou recomeçar tudo.
Esta lista não sugere romances felizes nem autoajuda disfarçada de ciência. Também não serve para motivar ninguém. A proposta é outra: leituras que validam o tédio e o transformam em companhia. Estes são livros que não prometem soluções, mas abrem frestas e não ocupam o silêncio. Apenas se sentam ao nosso lado, como quem diz: «Eu também não sei bem o que fazer, mas fico aqui contigo.»


Comecemos por Qual É o Teu Tormento, de Sigrid Nunez, romance que Almodóvar adaptou para o cinema e que possui tudo o que este momento exige: empatia, humanidade e diálogo. Ao acompanhar uma amiga em fim de vida, a narradora mergulha nas pequenas histórias que salvam do absurdo: sobre livros, amores fracassados e juventudes passadas. E há, em tudo isso, ternura. Ler Nunez é aceitar que, às vezes, viver é apenas permanecer, mesmo quando a vida se afigura sem enredo.
Abaixo encontra-se o trailer de O Quarto ao Lado, adaptação ao cinema em 2024 por Pedro Almodóvar.













Mas o domingo à tarde também é terreno fértil para o pensamento, sobretudo o que não busca conclusões definitivas. Liberalismo: a Ideia que Mudou o Mundo, de Carlos Guimarães Pinto, pode parecer deslocado, nesta lista, mas não está. O liberalismo, na sua essência, não é doutrina de mercado, mas desconfiança organizada: nas soluções absolutas, nos líderes que prometem paraísos, nas ideias que dispensam perguntas. Um livro que obriga a pensar com humildade, e talvez a melhor forma de atravessar um domingo sem nos deixarmos afundar.










Se a política não apela, talvez a filosofia da felicidade seja eficaz. Em A Hipótese da Felicidade, Jonathan Haidt parte de máximas antigas, como «a felicidade vem de dentro» ou «o que não nos mata, torna-nos mais fortes» e submete-as ao crivo da psicologia contemporânea, sem moralismos. A partir de dez grandes ideias retiradas de tradições filosóficas e espirituais, constrói um diálogo entre a sabedoria ancestral e a evidência científica, propondo uma visão integrada da felicidade que contempla tanto os factores internos (emoções, pensamentos, narrativas pessoais) como os contextos externos (relações, ambiente, cultura). A metáfora do elefante e do cavaleiro serve de base: a razão pode orientar, mas é a emoção que conduz.
Ao longo do livro, Haidt explora temas como a importância dos vínculos afetivos, o papel da adversidade no crescimento pessoal, a moralidade como instinto social, o impacto das narrativas que construímos sobre nós próprios e a força transformadora da elevação moral e da espiritualidade. Longe de ser um manual de autoajuda, esta obra apresenta-se como um convite à reflexão ética e ao autoconhecimento, desafiando o leitor a encontrar o seu próprio equilíbrio entre razão e emoção, liberdade e compromisso, bem-estar individual e sentido coletivo.

Há domingos que nos obrigam a enfrentar a realidade e livros que nos golpeiam a consciência: Amazónia: Viagem por uma ferida aberta no planeta, de Manuel Carvalho, é um desses. Um relato íntimo, político e ecológico de um território espoliado até ao osso. Não é uma leitura leve, mas é fundamental. Não há maior melancolia do que saber que o mundo arde, enquanto folheamos distraídos, e, ainda assim, é entre páginas como estas que voltamos a sentir que ler pode ser um ato de resistência.











Mas o domingo também é propício à ironia subtil, à reflexão ligeiramente azeda que nos impede de cair na solenidade. Para isso, nada melhor do que Como Reconhecer um Estúpido (Num Mundo Cheio Deles), de Robert Musil. Um ensaio breve, inteligente e provocador, que desmonta o conceito de estupidez com precisão e humor mordaz. Um lembrete: a burrice nem sempre é sinónimo de ignorância. Pode vir disfarçada de sapiência, prestígio, ou embrulhada num cargo importante. Ideal para quando nos sentimos a afundar no ruído do mundo, o que, nos dias de hoje, acontece com inquietante facilidade. Com este livro, rimos, mas também ficamos mais atentos.








Para fechar esta lista-resgate, Nellie Bly — A História de Uma Pioneira, no formato de novela gráfica, porque há domingos que pedem imagens, ritmo e figuras reais que parecem saídas de um romance. Nellie Bly foi jornalista, ativista, infiltrou-se num manicómio para denunciar abusos, escreveu sobre imigração e recusou ser apenas a cronista dos «assuntos femininos» que os jornais lhe destinavam. Uma vida de coragem, narrada com rigor e traço dinâmico, que recorda o poder da escrita como ferramenta de transformação.










É esta a proposta: livros que não anestesiam nem sobrecarregam, que nos retiram da apatia sem impor maratonas emocionais. Leituras acutilantes para esse compasso estranho entre o almoço e o entardecer, quando o mundo soa suspenso e o mais difícil é aceitar que o tempo não se resolve, passa. Quem duvidar experimente: a leitura sobrevive connosco ao domingo à tarde.

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