Wookacontece: LIVROS QUE METEM RATOS

No blogue literário da Wook temos umas sugestões muito boas sobre ratos nos livros. A autora deste artigo até diz o seguinte: "Ninguém os quer em casa, mas, por surpreendente que seja, há quem lhes tenha posto alguma graça na escrita. É a maior prova de potencial transformador da literatura: até um rato consegue ser mais do que uma praga." Espreitem, pois, estas preciosidades!

MAUS
Ganhou um Putlizer. Coisa boa para meia dúzia de ratos, que, em geral, de humanos só ganham asco. Aqui, os ratos são homens, e serem homens não os faz menos ratos. Temos a história de Vladek Spiegelman, um judeu polaco sobrevivente de Auschwitz, narrada ao filho, Art, cartoonista. Publicada em duas partes – 1986 e 1991 –, a obra é hoje considerada um clássico da banda desenhada, talvez porque quem a lê se consegue desligar dos desenhos de focinhos aguçados. Os judeus são desenhados como ratos, os nazis como gatos, mas é cada palavra dos últimos que tem guincho de ratice. O que aparece como fábula – e como metáfora entre presa e predador – não deixa de evidenciar a brutalidade que marcou o século XX.

A RATAZANA
À partida, não lembra ao diabo, mas lembrou a Günter Grass. Ao contrário do anterior, este não tem desenhos, e nem por isso me soube desligar mais da imagem de um rato a correr as ruas. Grass não fez por menos, lançou-se ao livro com a ideia de contar a história do fim da era humana, e quem melhor do que uma ratazana para protagonizar a ação? Num primeiro pensamento, verdade seja dita, qualquer outra ideia pareceria melhor; lido o livro, o que se tem em mãos é imbatível. A ratazana lá vai passando entre os pingos da chuva, espécie que escapa por buracos, que encontra as brechas, que pressente as desgraças, que sobrevive mesmo quando tudo ao vai charco, que sai do navio mesmo antes do naufrágio. Ninguém lhe acha graça, mas ninguém consegue superá-la em dom para a sobrevivência. Ali está ela no livro, acompanhando a Humanidade desde que surgiu, com uma voz – um guincho? – que se faz ouvir sobre as nossas e, aparentemente, depois das nossas também.


HISTÓRIA DE UM GATO E DE UM RATO QUE SE TORNARAM AMIGOS
A literatura é uma nova lente sobre as coisas, e de repente eis a fofura de um rato. Já tínhamos sido enganados pela Disney, que mentiu às crianças dizendo que o Tom era mau e o Jerry bom, e eis Sepúlveda a fazer de um rato um ratinho. No cerne da narrativa, dirigida às crianças, temos Max, que vive em Munique com os pais, os irmãos, e Mix, o seu gato, que o acompanha desde pequeno. Quando Max cresce e se muda, o gato também vai. Na nova casa, já velho, meio cego, o gato de companhia sente enfim a solidão. E um dia, como quem abre as portas para o horror, ouve um pequeno ladrão a sacar-lhe os cereais ao dono. O corpo do gato era velho, mas os instintos estavam lá. Foi só esticar a pata e sentir um rato a tremer. Sob a pena de Sepúlveda, o que podia ser a história de uma caçada breve transforma-se numa fábula divertida sobre a amizade entre espécies. Nada que escandalize, pois claro, quem viu um gato a ensinar uma gaivota a voar.

FIRMIN
Enquanto não fazem nova edição portuguesa, temos esta. E, depois de uma história de amizade entre um gato e um rato, temos uma amizade que acabou: a minha com a de um amigo no dia em que me presentou com isto no meu aniversário. Achei que dar-me um livro sobre um rato só provava o desamor. Depois de ler, lá lhe achei graça, mas já não havia volta a dar. Só alguém sem coração deixa de se compadecer deste rato. Firmin vive o sonho de todos nós, tendo morada numa livraria. Haverá vida melhor do que não pagar renda e olhar para livros todo o dia? O livreiro é, para ele, um grande amigo. Volta e meia, ainda que nunca lhe fale, lá lhe deixa um pratinho com queijo para petiscar. Parece que foram feitos um para o outro, daí que lhe seja inexplicável o que vem lá: o choque de saber que o queijo tem veneno sabe-lhe a traição. O seu amigo estará mesmo a tentar matá-lo? Em vez de um horrendo rato, o leitor vê um coração desfeito. A incompreensão dos motivos pelos quais este mamífero roedor não merece amor faz mossa até ao fim. Coitado do Firmin.