A partir dos anos 70, o meio editorial cunhou o termo NOVELA GRÁFICA para se referir a histórias de banda desenhada mais longas que já não se circunscreviam às tiras diárias, muitas vezes de carácter cómico. A novela gráfica deu espaço aos criadores de banda desenhada para explorarem novas temáticas e novas formas de conjugar imagens e palavras, com narrativas complexas que abordam temas mais adultos.
Dúvidas existissem acerca da influência de
Will Eisner no mundo da banda desenhada, bastaria a constatação de que os mais importantes prémios da área nos Estados Unidos foram batizados com o seu nome.
Um Contrato com Deus, publicado originalmente em 1978, é frequentemente apontada como uma das obras pioneiras que ajudaram a popularizar o termo novela gráfica. Apesar da quase total ausência dos tradicionais painéis a que o leitor se habituou, a obra de Eisner marca uma viragem retratando, ao longo de quatro histórias com alguns traços autobiográficos, a violência da vida americana.
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«É impossível descrevê-lo com precisão e seria impossível realizá-lo em qualquer outro meio que não a BD». A crítica do Washington Post deixa antever, em poucas palavras, a singularidade de uma obra como
Maus que se tornaria o primeiro livro de banda desenhada a ganhar um prémio Pulitzer e influenciaria várias gerações de autores como
Marjane Satrapi (de quem falamos mais adiante) ou
Chris Ware. A partir das memórias do seu pai Vladek, um judeu polaco sobrevivente do Holocausto, e recorrendo a uma imagética próxima da fábula em que os judeus são representados como ratos e os nazis como gatos,
Spiegelman cria uma obra incontornável que retrata os horrores da guerra e da barbárie nazi, mas reflete também sobre o peso da memória, a culpa dos sobreviventes e a herança dos que lhes sucedem.
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Filipe Melo e
Juan Cavia já tinham cativado os leitores desde a sua estreia com
As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy, mas
Balada para Sophie, editado em 2020, catapultou-os para um novo patamar. Com um ritmo cinematográfico e ao longo de mais de quatrocentas páginas – feito invulgar na banda desenhada nacional –, a rivalidade entre dois pianistas de origens distintas prende o leitor numa história comovente sobre ambição, sucesso, música e redenção. Somos parciais, mas esta parece-nos a introdução perfeita para todos os que se querem lançar pela primeira vez na leitura de uma novela gráfica. De preferência com a belíssima Balada para Sophie, composta por Filipe Melo, como música de fundo.
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Estamos em 1979, no Irão sopram ventos de mudança. Através dos olhos de Marjane, uma criança rebelde com dez anos, acompanhamos os efeitos da Revolução Islâmica. À medida que a repressão se instala e aos poucos mulheres e raparigas são obrigadas a usar véu, a música rock é declarada ilegal e os bombardeamentos iraquianos começam a fazer parte do quotidiano, a família de Marjane tenta resistir e manter a normalidade possível. Da infância ao final da adolescência, que será passada na Europa para onde é enviada para escapar da guerra, a protagonista cresce sempre dividida entre dois mundos difíceis de conciliar. Com um traço inconfundível e humor,
Persépolis, que seria adaptado pela própria
Marjane Satrapi para filme em 2007, parte da memória da sua autora para contar uma história de comovente sobre tolerância e liberdade.
De vez em quando aparece um livro que parece gritar-nos uma verdade importante e incontornável sobre o nosso tempo. É o caso de
Sabrina de
Nick Drnaso.
Uma jovem mulher desaparece um dia após o trabalho. O seu namorado e a irmã vivem dias de angústia até que uma cassete vídeo, enviada às redações de vários órgãos de comunicação social, revela o que aconteceu. As imagens tornam-se virais desencadeando uma onda de paranoia, notícias falsas e teorias da conspiração que coloca as verdadeiras vítimas da tragédia no olho do furacão. Ao leitor, que conhece Sabrina nas primeiras páginas, resta-lhe navegar por entre os destroços. Reflexão arrepiante sobre uma sociedade permanentemente ligada e cada vez mais desumanizada, a obra tornou-se a primeira novela gráfica finalista do Booker Prize.
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Com o objetivo de pagar os seus empréstimos estudantis, Kate, tal como muitos outros habitantes da Costa Leste do Canadá antes dela, viaja para o Oeste para aproveitar a corrida ao petróleo em Alberta. Em campos isolados, onde é uma das poucas mulheres entre homens, vai deparar-se com um ambiente duro, onde o trauma é ocorrência quotidiana, mas nunca é discutido. O desenho de
Kate Beaton, de uma aparente simplicidade, dá forma a uma narrativa autobiográfica que se torna universal ao abordar as contradições e a complexidade do isolamento, do capitalismo e dos seres humanos em condições extremas. Aclamado pela crítica,
Patos foi considerado um dos livros do ano para publicações como a New Yorker, o The Guardian ou a Time, integrou a lista de melhores do ano de Barack Obama e venceu dois prémios Eisner.
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