«Verdade, amor, razão, merecimentoQualquer alma farão segura e forte,
Porém, fortuna, caso, tempo e sorte
Têm do confuso mundo o regimento.»
É com este poema, que inspirou o título de Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões, que Isabel Rio Novo nos convida a entrar nas mais de 700 páginas (notas finais incluídas) que dedicou à vida do maior poeta português. A autora de ensaios, biografias e romances guia-nos agora pela História, apoiada em documentação antiga e recente, para nos trazer, 500 anos depois do nascimento de Camões, uma visão abrangente e rigorosa da grande figura que este foi, e continua a ser, do homem à ideia que dele se foi construindo. Ao longo de cinco anos de investigação, que incluiu viagens a Goa – onde descobriu o paradeiro de um retrato do poeta que andava extraviado – e a Moçambique – onde Camões viveu dois anos –, Isabel Rio Novo teve sempre a preocupação de reconstituir rigorosamente a época quinhentista, fulcral para entender os conceitos cujo sentido se vai perdendo com o tempo.
Perante as muitas incertezas sobre Camões, a começar pelo local onde nasceu – que pode bem ter sido o Porto –, Isabel Rio Novo consegue o feito de nos pôr a olhar através de um magnífico caleidoscópio do qual cada um fará a interpretação possível, dadas que estão as cores e as nuances com que o tempo pintou o retrato deste homem. Os capítulos desta biografia indispensável têm títulos tão cativantes como «Mocidade Florida», «Barca de Vidro Sem Leme», «Outra vez acometendo os duros medos» ou «Ninguém, que nisso enfim se torna tudo», quase sempre retirados aos versos de Camões, pois impossível seria não se deixar contagiar pela beleza e sentido profundo das letras do poeta, ao sobre ele escrever.
Encantados que ficamos com um primeiro e leve vislumbre desta obra, que tanto nos revela, e tão bem, pedimos a Isabel Rio Novo que nos dedicasse uma frase por cada letra do nosso abecedário (que não podia, desta vez, acabar no W). Saboreie, também, esta aguarela da vida camoniana.
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De A a W
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B – Barreto. O apelido do governador da Índia com quem Camões se incompatibilizou.
C – Coutinho. O apelido do vice-rei da Índia que favoreceu o Poeta. Chamava-se Francisco, tal como o anterior.
D – Desterros. Camões sofreu vários, ao longo da vida, por questões de amores e não só.
E – Espada. Camões, que foi Poeta e soldado, dizia ter «numa mão a espada, e na outra a pena». Usou-as bastante.
F – «Fortuna, caso, tempo e sorte». Governavam o mundo, segundo Camões. Talvez tivesse razão.
G – Goa. A capital portuguesa no Oriente na época de Camões e uma espécie de Babilónia, segundo as palavras do Poeta.
H – Homiziado. Camões foi homiziado no Norte de África, onde combateu e perdeu um olho.
I – Inês de Castro, a «mísera e mesquinha que depois de morta foi rainha» e inspirou uma das mais belas passagens de Os Lusíadas.
J – Jau. Os biógrafos antigos referiram-se assim ao escravo ou escravo alforriado (talvez javanês), de nome António, que Camões trouxe do Oriente e a quem era muito afeiçoado.
K – Khan. Adil Khan, Yusuf Adil Shah ou, na versão adulterada pelos portugueses, o Idalcão, senhor de Goa até Albuquerque terríbil ter conquistado a cidade.
L – Os Lusíadas, a epopeia da chegada dos portugueses à Índia e obra-prima de Luís Camões.
M – Malcozinhado. Era o nome que, na época, se dava aos estabelecimentos noturnos onde se servia comida barata e se fazia a festa. Camões conheceu uns quantos.
O – Olimpo. Júpiter, Vénus, Baco e os outros habitantes do Olimpo acompanham e interferem na aventura do Gama e dos companheiros.
P – Parnaso de Luís de Camões. Assim se chamava o livro que Camões tinha em preparação na Ilha de Moçambique e que perdeu ou lhe furtaram, no regresso ao Reino.
Q – «Que grande variedade vão fazendo…». É o primeiro verso da écloga que assinala as mortes de D. António de Noronha e do Príncipe D. João, pai de D. Sebastião, e que Camões considerava a «melhor que já tinha feito».
R – Retratos. Conhecem-se apenas dois retratos de Luís de Camões feitos em vida deste. Um foi desenhado estando o Poeta na prisão de Goa. Do outro só resta uma “cópia fidelíssima”, realizada no século XIX a partir do original (entretanto perdido) pintado por Fernão Gomes.
S – D. Sebastião, a «maravilha fatal» a quem Os Lusíadas foram dedicados e cuja morte, em Alcácer Quibir, foi devastadora para Camões e para a nação.
T – Tronco era o nome que se dava, na época, à prisão. Camões conheceu o de Lisboa e o de Goa, por onde passou mais do que uma vez.
U – «Um não sei quê, que nasce não sei onde,/ vem não sei como, e dói não sei porquê». Uma das definições poéticas do amor, segundo Camões.
V – Vénus e o Velho do Restelo. Ela fez tudo para que os portugueses chegassem à Índia. Ele não concordava com o empreendimento. Duas grandes personagens de Os Lusíadas.
W – WOOK, o melhor lugar para encontrar Camões.
X – Xavier, São Francisco. Fundador da Companhia de Jesus, missionário nas partes do Oriente e sepultado em Goa ao tempo de Camões. O Poeta, que não apreciava propriamente os jesuítas, mal falou dele.
Z – Zodíaco. Camões interessou-se pela «profética ciência» da astrologia, como a maioria dos homens e mulheres do seu tempo, acreditando que o horóscopo influía no destino do indivíduo.