James Baldwin |
Perseguido, pária, maldito, visionário, supremamente livre: James Baldwin está mais vivo do que nunca. No ano em que se celebra o centenário do seu nascimento, importa recordar o legado que deixou às gerações futuras, nos atos e nas palavras.
Escritor, ativista, voz de intervenção, vulto inconformado e inconformista, gigante do panorama literário do século XX, ativista na luta contra todas as formas de discriminação, comprometido acima de tudo com a liberdade: eis James Baldwin, o escritor negro e homossexual que transformou para sempre a paisagem humana e social da sua amada Nova Iorque, ainda que tenha passado décadas na Europa, à procura de um lugar para si.
Faria 100 anos em 2024, efeméride que serve de pretexto para, um pouco por todo o mundo, se fazer reviver o legado de uma personalidade excecional. Em Portugal, os livros de James Baldwin começaram a ser publicados em 2018, mais de trinta anos depois da sua morte. Desde então, a Alfaguara já deu à estampa os romances "Se o disseres na montanha", "Se esta rua falasse" e "O quarto de Giovanni", bem como os volumes de ensaios "Da próxima vez, o fogo" e "Notas de um filho da terra". Não ficaremos por aqui – a obra de Baldwin não merece menos do que o pódio de qualquer catálogo editorial. Recordamos aqui os marcos da sua vida:
Origens: A mãe de James Baldwin nasceu numa localidade rural pobre, no estado de Maryland. Era conhecida na sua comunidade como uma dotada escritora. Trabalhava já em Nova Iorque como empregada de limpeza quando nasceu James, o mais velho dos seus nove filhos, que nunca conheceu a identidade do pai biológico. Tomou o apelido do padrasto, severo pastor protestante com quem manteve uma relação tensa e cujas ideias rígidas o marcariam para sempre. James costumava dizer que o seu exílio começou na infância.
A palavra como refúgio: O jovem James procurava refúgio da infância difícil na biblioteca pública. Tal como a mãe, e incentivado por uma professora que nele detetou a chama da palavra, começou a escrever muito cedo: poemas, peças de teatro e narrativas curtas. Entre os 14 e os 17 anos, foi pregador numa pequena igreja, experiência nuclear no romance autobiográfico Se o disseres na montanha: «Aqueles três anos atrás do púlpito […] foram o que fez de mim escritor, ter de lidar com toda aquela angústia, desespero e beleza.»
Exílio e criatividade: Com a ajuda do escritor Richard Wright, conseguiu uma bolsa para escrever e começou a publicar em revistas literárias. Aos 24 anos, parte para Paris, fugindo ao racismo e homofobia que dilaceravam o seu país. Foi aí que se envolveu politicamente com movimentos de esquerda e que conviveu com uma trupe vibrante de artistas e intelectuais, incluindo o casal Sartre-Beauvoir, no mítico Café de Flore. À Paris Review, Baldwin explicou que chegou à cidade «com 40 dólares no bolso […]. Eu sabia o que significava ser branco e sabia o que significava ser negro, e sabia o que iria acontecer comigo [em Nova Iorque]. A minha sorte estava a acabar. Ou ia preso, ou matava alguém ou alguém me matava a mim.»
Primeiro romance: Em 1953, publicou o primeiro romance, Se o disseres na montanha, recebido com críticas entusiastas. Seguiu-se, dois anos depois, Notas de um filho da terra, coletânea de ensaios que oferece uma poderosa reflexão sobre a negritude, em pleno alvorecer do movimento dos direitos civis. Setenta anos mais tarde, permanece um testemunho incontornável sobre pertença, segregação, fé e liberdade.
Livro rejeitado: O segundo romance de Baldwin, O quarto de Giovanni, é dedicado ao seu amante, o pintor suíço Lucien Happersberger. Conta a história de um americano em Paris, dilacerado entre o amor por um homem e o compromisso com uma mulher. Por causa do tema, foi rejeitado pelo seu editor americano, mas ficou na história como o primeiro romance de um negro a lidar com a homossexualidade.
Ativismo e consagração: Em 1963, de volta aos EUA, participou na lendária Marcha dos Direitos Civis em Washington, ao lado do seu amigo Marlon Brando. Aproximou-se de Martin Luther King. Neste ano, tornou-se o primeiro artista afro-americano a figurar na capa da revista Time. Foi também neste ano que publicou o ensaio-manifesto Da próxima vez, o fogo, que permanece como um dos seus livros mais influentes.
Últimos anos: O homicídio de Luther King, em 1968, levou-o a desistir da escrita do guião do filme sobre Malcolm X, assassinado três anos antes. Com uma longa lista de livros publicados e um papel firmado na luta contra a discriminação, nas décadas de 70 e 80, Baldwin foi professor ou orador convidado nas universidades de Cambridge, Berkeley e Amherst, entre outras. Em 1986, foi nomeado Cavaleiro da Legião de Honra Francesa. Morreu um ano depois, vítima de cancro, aos 63 anos. A mãe sobreviveu-lhe.
«Aqueles que afirmam a impossibilidade de se fazer alguma coisa são geralmente interrompidos por aqueles que fazem essa mesma coisa.» James Baldwin